A União Europeia anunciou nesta quarta-feira (28) medidas de emergência para ajudar produtores rurais de diversos países do bloco atingidos por uma das piores secas dos últimos tempos. Entre outras ações, o pacote de socorro prevê a antecipação de parte dos subsídios que normalmente são concedidos aos agricultores e uma atenuação temporária em algumas regras (verdes).

 

A França é um dos país mais afetados, com estragos na agricultura e no ambiente. Por isso, produtores do país querem também a ajuda de seu Mecanismo de Calamidade Agrícola, que poderá ser 20 vezes maior que o pacote de US$ 20 milhões articulada pelo presidente Emmanuel Macron no G7 para auxiliar no combate aos incêndios na Amazônia.

 

O verão foi complicado neste ano na Europa, com intempéries de diferentes naturezas. Algumas regiões enfrentaram duas ondas de calor, nos meses de junho e julho, enquanto outras registraram quedas de granizo, como aconteceu em Portugal e na França.

 

A situação é distinta, a depender da região e mesmo de áreas de um mesmo país. Segundo a central agrícola europeia Copa-Cogeca, as culturas com colheita em julho, como os cereais, foram menos prejudicadas, e houve volumes recordes em alguns países.

 

Já as culturas com colheita mais tardia, como beterraba, milho e legumes, sofreram bastante com a falta de água, que provocou quedas de rendimento. “Também há enormes estragos nas florestas e em culturas como a canola, por causa da proliferação de ataques de insetos favorecida pela forte onda de calor”, informou a Copa-Cogeca.

 

Há, igualmente, “fortes tensões” na pecuária em razão de problemas nas pastagens e redução da oferta disponível de alimentos. Em algumas regiões europeias, os estoques de forragem de inverno já foram utilizados, o que poderá causar problemas aos criadores nos próximos meses.

 

Após colocar o combate às queimadas na Amazônia no centro da agenda internacional, o presidente francês, Emmanuel Macron, pode agora se concentrar nesse problema mais local. Apesar da diferença gigantesca de dimensão dos dois problemas, a narrativa francesa faz lembrar os comentários do presidente Macron sobre a Amazônia.

 

“A floresta sufoca, as árvores morrem de sede”, relata a apresentadora de um jornal da TV France 2, enquanto se sucedem na tela imagens de uma pequena floresta, “um dos pulmões verdes” da Alsácia.

 

A seca atinge 85 dos 90 departamentos franceses — ou seja, quase todo o território. “É uma seca inédita, pelo fato de estarmos com 30% a 40% menos de pluviometria, e temos a terceira onda de calor neste ano”, disse o vice-presidente da Federação Nacional dos Agricultores (FNSEA) da França, Luc Smessert, ao Valor.

 

O dirigente estima que a produção francesa de milho vai cair de 20% a 30%. A produção açucareira também está sofrendo, e a queda na produção de frutas e legumes varia de 10% a 20%.

 

Ao mesmo tempo em que a colheita encolhe, os custos aumentam para os produtores. Os animais vão ser alimentados com produtos de fora por oito meses, em vez dos tradicionais cinco meses, porque os pastos ficaram secos.

 

Na seca do ano passado, o governo francês liberou para os agricultores 200 milhões do Mecanismo de Calamidade Agrícola, que eles ajudam a financiar.

 

Desta vez o problema é maior, e o representante da FNSEA estima que a fatura vai ser bem mais elevada — entre 50% ou mesmo 100% maior, podendo chegar a 400 milhões.

 

O pacote de ajuda anunciado nesta quarta-feira pela UE em Bruxelas prevê que os agricultores europeu possam receber até 70% de seus subsídios diretos já na metade de outubro. Também poderão receber em setembro 85% de ajuda ligada ao desenvolvimento rural.

 

A UE também atenuou certas “regras verdes” para permitir o uso de terras para a produção de alimentos para os animais. Para a Copa-Cogeca, algumas decisões chegam com atraso, sobretudo para os pecuaristas. É que a UE se baseia exclusivamente em dados de satélites para validar os estragos nas regiões agrícolas.

 

No cenário atual na Europa, as demandas de projetos para o continente recuperar a “soberania nas proteínas” voltou à agenda. E Macron reconheceu uma “culpa parcial” da Europa na destruição da Amazônia, já que as vacas europeias em geral se alimentam com ração à base de soja brasileira — ainda que a produção do grão no bioma seja pequena.

 

A TV France 2 procurou saber a possibilidade de a França produzir mais grãos para seus animais. O agricultor Frederique Piquet disse que não tem como evitar a soja brasileira. Quando tentou alternativas, afirmou, a produção de leite de suas vacas caiu 20%. A França produz apenas 400 mil toneladas de soja por ano.

 

Fonte: Valor