Um decreto pronto para ser publicado pelo governo federal vai endurecer as regras contra a pirataria de sementes no país, que já representa, segundo estimativas, mais de um terço de um mercado que movimenta R$ 24 bilhões por ano. O objetivo é diferenciar com mais clareza quem burla a lei e produz de forma irregular e os produtores que reservam legalmente cultivares para uso próprio na safra seguinte, e aplicar penas mais severas aos criminosos.

 

Segundo as novas regras previstas no decreto, o Ministério da Agricultura passará a exigir dos agricultores informações sobre todas as variedades salvas de um ano para o outro, e não apenas das cultivares protegidas, como acontece hoje. Também serão criadas “reservas técnicas” de cada cultura para facilitar a identificação de quem cultiva as sementes dentro da lei e de quem as comercializa de forma ilegal.

 

“A ideia é agregar mais informações sobre o que é produzido para uso próprio. A única maneira de fazer um controle eficiente e planejar fiscalizações é conhecer melhor esse universo”, afirmou Virgínia Carpi, coordenadora-geral de Sementes e Mudas da Pasta, ao Valor. O plano é desenvolver ferramentas para que as declarações sejam informatizadas.

 

No caso da soja, carro-chefe do agronegócio nacional, 29% das sementes plantadas no país não são certificadas de acordo com as normas estabelecidas pela Associação Brasileira de Sementes e Mudas (Abrasem). As sementes de feijão são as que apresentam maior índice de pirataria – 88%, seguidas por arroz (44%) e algodão (43%).

 

“Se a declaração é só da cultivar protegida, é fácil alegar na fiscalização que aquela variedade é de domínio público. Hoje, não temos como saber se é ou não. Com a nova regra, ficará mais fácil rastrear”, disse ela.

 

Para melhorar esse controle, o decreto prevê um percentual de reserva técnica para delimitar até onde vai a conduta do usuário que salva a semente e onde começa a atuação ilegal. “Se o produtor está fazendo uma quantidade que supera a reserva técnica, deixa de ser uso só para produção própria e passa a existir uma expectativa de comercialização ilegal”, afirmou Carpi. Essa fronteira será definida por normas complementares, e as penalidades contra irregularidades serão mais pesadas.

 

“As infrações são brandas demais (multas de R$ 2 mil a R$ 18 mil). A correção que foi feita equipara conduta pirata a de produtor ilegal, o que permitirá multas de até 250% do valor comercial dos produtos”.

 

Além das infrações ao sistema de sementes e mudas, a pirataria prejudica a propriedade intelectual, já que não remunera o obtentor, e se reverte em desestímulo a pesquisas, reforçou o engenheiro agrônomo Paulo Campante, diretor executivo de germoplasma da associação CropLife Brasil. O prejuízo chega a R$ 2,4 bilhões ao ano, valor que as empresas deixam de arrecadar em royalties pelas tecnologias desenvolvidas.

 

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) destacou, ainda, a preservação total do direito de salvar sementes na alteração do decreto. “A redação deixou claro que não pode comercializar a semente salva, que o agricultor deve salvar o volume necessário para o plantio seguinte e comunicar isso ao ministério de forma adequada. São regras objetivas e que agricultor consegue cumprir sem prejudicar seu trabalho”, disse Reginaldo Minaré, consultor em tecnologia da entidade.

 

O decreto aguarda despacho na Casa Civil para publicação pelo presidente Bolsonaro. O texto também deixa mais clara a proibição de comercialização do material reservado e a exigência do uso da semente salva apenas na mesma propriedade ou em outra de posse do agricultor.

Fonte: Valor