Para coibir a venda casada, governo quer elevar penas
Embora não estejam sendo capazes de afetar o ritmo de contratações de crédito rural, que cresceram 21% nos quatro primeiros meses desta safra 2020/21 (julho a outubro) e somaram R$ 92,6 bilhões, as “vendas casadas” propostas pelos bancos nas operações continuam a contrariar produtores rurais e o Ministério da Agricultura. A Pasta quer endurecer as penas contra o crime, sobretudo nos casos que envolvem recursos subsidiados, e agora propõe inclusive a prisão dos administradores das instituições financeiras responsáveis.
O principal “casamento” relatado pelos produtores desde julho é a venda de títulos de capitalização no momento da liberação do crédito rural pelos bancos. Representou 42% das denúncias anônimas recebidas pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) na plataforma criada com essa finalidade há um ano. Na sequência aparecem reclamações referentes à aplicações financeiras, CDB, consórcios e seguro de vida. As regiões Sul e Sudeste são as que registram mais denúncias.
O combate à venda casada é uma das principais bandeiras da CNA, mas a entidade decidiu não divulgar o número absoluto de denúncias em sua plataforma, o que dificulta a avaliação do tamanho do problema pela opinião pública. Mas o superintendente técnico da entidade, Bruno Lucchi, diz que o guia de combate à venda casada lançado este ano em parceria com a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) ajudou a coibir a prática.
O secretário-adjunto de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, José Angelo Mazzillo Júnior, afirmou que, no canal de denúncias criado pela Pasta, houve, da mesma forma, uma redução do número de reclamações – que também é mantido em sigilo -, mas que há evidências de que a prática continua “em escala indesejável” e que os produtores ainda têm receio de reclamar.
Uma proposta de lei que deve ser enviada ainda este ano ao Congresso equipara as penas da venda casada às do crime do colarinho branco contra o sistema financeiro. O objetivo é responsabilizar não só a instituição, com multa, mas também as pessoas, com reclusão de dois a seis anos. “Queremos equiparar a venda casada com o desvio de finalidade, que é quando o mutuário pega dinheiro apoiado pelo Estado e usa para outra coisa. Vamos alterar a lei de subvenção para responsabilizar os administradores dos bancos”, disse Mazzillo Júnior ao Valor.
“Subvenção é política pública usada para gerar mais alimentos a preços acessíveis. Se existe distorção, esse recurso fica no meio do caminho”, afirmou Lucchi, da CNA. Recentemente, a entidade sugeriu que a venda de títulos de capitalização e seguro de bens que não estejam diretamente relacionados à atividade rural sejam suspensas durante os 30 dias posteriores à contratação do crédito rural, inclusive para familiares do contratante.
Um produtor de arroz do Rio Grande do Sul que não quis se identificar relatou que o banco que ele procurou para realizar uma operação de custeio pediu a aplicação de R$ 25 mil antes mesmo de liberar o crédito rural. No ano passado, esse produtor fez denúncias anônimas contra duas instituições. Agora, teve medo de apresentar nova reclamação e sofrer represálias. A Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz) criou um canal de denúncias anônimas no início desta safra e só recebeu dois relatos até agora.
Segundo Pedro Aurélio Queiroz, diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o setor financeiro é alvo de 25% das reclamações no portal consumidor.gov.br, onde as denúncias não são anônimas, atrás apenas das ocorrências com empresas de telefonia.
O número de reclamações contra bancos mais que dobrou durante a pandemia ante os patamares do ano passado. Mesmo assim, de janeiro a julho apenas uma reclamação específica de um produtor rural sobre venda casada foi registrada. “Mas as principais reclamações contra os bancos são sobre cobranças por serviços não contratados e não solicitados. É bem provável que a venda casada esteja incluída”, disse Queiroz.
Atualmente, a venda casada, se comprovada, pode gerar multa de até R$ 10 milhões à instituição financeira que a promover. As demandas individuais são tratadas no âmbito do Procon. As que envolvem repercussão nacional são avaliadas pelo ministério. De janeiro a julho, foram 167,6 mil reclamações contra bancos e financeiras registradas no portal do Ministério da Justiça. Do total, 16.230 envolveram cobrança de tarifas, taxas e valores não previstos ou não informados, e 15.272 foram referentes à crédito pessoal e demais empréstimos.
Fonte: Valor