Entenda o que o mapeamento do genoma da ferrugem trará para a soja
Descoberta ainda está em seu primeiro estágio e passará por um aprofundamento para que novas tecnologias baseadas nela possam surgir. Prazo pode variar de 7 a 10 anos, diz Embrapa
Uma grande descoberta científica deve mudar mais uma vez a agricultura mundial. O mapeamento do genoma da pior doença para a soja, a ferrugem asiática, promete trazer inovações comparáveis apenas ao mapeamento da própria cultura (que aconteceu em 2008). Desde então foram lançadas plantas geneticamente ordenadas ou modificadas para apresentarem resistência a diversas doenças, seca e até mesmo a ferrugem asiática.
Durante a apresentação da descoberta, realizada em São Paulo pela Embrapa e a empresa Bayer (que participaram junto a outras 10 empresas da pesquisa para o mapeamento), foram destacados os próximos passos em relação a isso. A missão, daqui para frente, é decifrar a biologia do fungo para produzir cultivares mais resistentes e fungicidas mais eficazes contra a ferrugem asiática.
“Conhecemos agora a estrutura do genoma da doença, que tem grande capacidade de mutação para se adaptar e gerar resistência aos controles atuais. Ela faz isso muito rápido. Conhecendo o genoma, agora entendemos essa adaptação do fungo”, diz o pesquisador da Embrapa, Maurício Meyer. “Esse é só o começo, agora vamos nos debruçar para entender esse genoma”.
Claro, que assim como aconteceu com a soja, o processo para lançar produtos já baseado na descoberta podem levar de 7 a 10 anos. “O caminho para um novo produto é longo. Hoje demoramos 7 anos para lançar uma nova cultivar de soja, por exemplo. Pode ser até mais, pois teremos que conhecer o fungo e depois adaptar uma planta”, diz Meyer.
Para a Bayer, a descoberta trará uma nova perspectiva para os produtos que já estão sendo desenvolvidos para controle da doença. “Iremos avaliar nossos produtos em desenvolvimento, pois poderemos, com base no genoma, saber se serão de fato eficazes ou não. Caso não sejam, serão descontinuados”, afirma Rogério Bortolan, líder em soluções agronômicas para a soja e algodão da Bayer na América Latina.
Pesquisa já deu errado antes
A pesquisa atual foi iniciada em 2016 e, três anos depois, já conseguiu ter sucesso. Bem diferente do que aconteceu 10 anos atrás, quando a mesma pesquisa foi iniciada, mas não teve sucesso. “Não vou mentir. Várias vezes achamos que não conseguiríamos, de novo. Subestimamos a doença. E sozinhos não teríamos conseguido. Foi preciso unir todas essas 12 empresas para termos sucesso. Os avanços das tecnologias atuais também colaboraram”, diz Bortolan.
Fungo mutante poderoso
Entre as razões pelo qual a primeira pesquisa não deu certo, está justamente na resposta encontrada agora. Ou seja, pelo tamanho do genoma, que segundo a descoberta é comparável ao da própria planta da soja. “As primeiras pesquisas achavam que o genoma desse fungo era bem menor, subestimaram a doença. Achavam que tinha no máximo 50 ou 100 mega pares de bases (mbp), mas ela tem 1050 mbp. Ou seja, cinco vezes mais do que se pensava. Na época não deu certo, mas graças as tecnologias atuais conseguimos ter êxito na descoberta”, diz Meyer.
A pesquisadora da Embrapa Francismar Guimarães, uma das responsáveis pelo estudo na entidade, ainda explicou que o fungo parece ter uma espécie de “reserva de DNA”, e sempre que é atacada usa esse estoque para se recuperar. “O genoma é grande, mas o DNA nele é repetitivo, dando a planta uma capacidade de mutação enorme”, explica ela.
Danos atuais são altos
Segundo dados do consórcio antiferrugem, os gastos com o controle da ferrugem da soja no Brasil podem chegar a US$ 2,7 bilhões ao ano (R$ 11 bilhões na cotação atual do dólar). “Este valor não leva em conta os prejuízos causados pela queda de produtividade”, frisa, que acabam gerando menor volume para a comercialização
Segundo Dirceu Ferreira Jr, diretor do Centro de Expertise em Agricultura Tropical da Bayer, até 90% de uma lavoura de soja pode ser dizimada pelo fungo da ferrugem. “E o problema maior é no Brasil, pois outros importantes produtores, como Estados Unidos e Argentina, não sofrem com a doença”, lembra.
Surgimento da doença
No Brasil, a ferrugem asiática surgiu em 2001 e desde então é a maior ameaça para as plantações de soja. A doença que se adapta melhor o clima tropical avança de forma rápida e agressiva, já que os esporos se proliferam pelo ar.