As eleições primárias na Argentina são o grande destaque de hoje e afetam os mercados ao redor do mundo. Às 13h41, o Ibovespa caía 2,00%, aos 101.916 pontos. O giro financeiro já somava R$ 5,21 bilhões, expressivo para este horário.

 

A derrota do presidente argentino Maurício Macri durante as prévias para a eleição em seu país preocupa os investidores, dada a possibilidade de que a ex-presidente Cristina Kirchner retorne ao governo como vice de Alberto Fernández. A chapa da ex-presidente, considerada heterodoxa, obteve 47,65% dos votos, enquanto a de Macri, que tenta a reeleição, teve 32,08%.

 

De acordo com relatório da XP Investimentos, a diferença de 15 pontos percentuais está muito além das expectativas do mercado, que era de uma diferença de 9 pontos percentuais entre os adversários. Com isso, a corretora afirma que não enxerga “nenhum caminho possível para que Macri possa reverter esse cenário até outubro, o que indica uma vitória de Fernandez e Kirchner.”

 

Em relatório, analistas do Goldman Sachs afirmam que o resultado das prévias na Argentina é “quase irreversível” e deve gerar uma deterioração adicional do clima de mercado.

 

O primeiro turno da eleição argentina está marcado para o dia 27 de outubro.

 

O resultado imediato disso é uma corrida por proteção a nível global, que derrubou as bolsas e fez o dólar ultrapassar os R$ 4 mais cedo. As ações de empresas argentinas também despencam no mercado americano.

 

Isso tudo acontece perante um cenário internacional já bastante tenso, com a disputa comercial entre China e Estados Unidos, os protestos em Hong Kong e a crise política na Itália fazendo os investidores aumentarem o nível de cautela desde a semana passada.

 

A longo prazo, uma vitória da chapa de Kirchner na Argentina poderia afetar relações comerciais com o Brasil, apontam analistas ouvidos pelo Valor.

 

O presidente Jair Bolsonaro já fez críticas abertas a ex-presidente Cristina Kirchner e, caso sua chapa seja eleita, o horizonte é de fortes embates com um dos principais parceiros comerciais do Brasil, aponta o sócio-fundador do Grupo Laatus, Jefferson Laatus. “A Argentina é um membro importante de todo o bloco do Mercosul, que acaba de fechar acordo com a União Europeia. É lógico que um governo mais à esquerda preocupa eles e o Brasil também, dado o histórico dos governos de esquerda na Argentina.”

 

Laatus afirma que acompanha como o mercado europeu está repercutindo a notícia, e lembra que o país vizinho, apesar de grande consumidor de produtos brasileiros, já vinha reduzindo as compras diante da recessão econômica enfrentada por lá. “Se o Fernández vencer, isso impactaria nossa balança comercial. Pode ser que as transações caiam ainda mais ou até que não haja mais negociação entre dois governos tão opostos”, diz.

 

Maurício Pedrosa, sócio da Áfira Investimentos, vê a possibilidade como um retrocesso. “O mercado lá fora enxerga Brasil e Argentina como mercados parecidos e é preciso atentar para o fato de que muitas empresas brasileiras exportam e possuem negócios no país vizinho. Eles mal começaram a seguir uma agenda liberal na economia e já estão flertando com um governo populista de esquerda, algo que nunca é bem visto”, comenta.

 

Entre as ações que se destacam neste pregão de queda generalizada estão Gol PN (-5,84%) e Azul PN (-4,45%), que recuaram bastante durante toda a manhã.

 

Operadores e analistas atribuem o movimento à forte alta do dólar, que encarece os custos dessas companhias, e também ao fato de que, neste momento, são as ações que mais oferecem oportunidade de embolsar lucros, dada a alta vista recentemente.

 

Segundo um gestor de um grande fundo que prefere não ser identificado, a situação da Argentina, mercado importante para as companhias aéreas brasileiras, reforça também que essas empresas entrem na mira do ajuste de posição dos investidores ao aumento do risco hoje.

 

O dólar comercial é um dos principais componentes no custo do combustível das empresas de aviação, o querosene. Por isso, com a cotação da moeda atingindo os R$ 4, o investidor desse papel se antecipa à pressão de custos nessas companhias e reduz a exposição aos papéis.

 

A queda também é impulsionada pelo fato de que, recentemente, as aéreas estiveram no grupo das companhias ligadas ao ambiente doméstico que mais ganharam com a busca por ativos cíclicos locais. No ano, Azul PN ainda sobe 47,25% e a Gol PN ganha 51,99%.

 

“Vejo uma mistura da pressão por causa do câmbio mais o impacto da Argentina, que está num cenário bastante negativo depois da eleição ontem. Todas as empresas que tem exposição ao país estão sofrendo hoje”, afirma o profissional.

 

Dólar

 

Sob o mesmo efeito argentino, o dólar comercial voltou a operar acima do patamar psicológico de R$ 4,00, o que não acontecia desde 29 de maio.

 

Por volta das 13h36, a moeda se afastava um pouco da máxima de R$ 4,0127, mas operava em alta de 1,12%, aos R$ 3,9840. O impacto da questão política argentina, no entanto, fica evidente no desempenho das 33 divisas mais negociadas no mundo nesta segunda-feira, nota Luciano Rostagno, estrategista-chefe do Mizuho no Brasil. Das seis moedas que mais cedem terreno frente ao dólar, apenas a lira turca não é da região. No horário acima, o dólar caía 19,01% frente ao peso argentino.

 

Analistas temem que a vitória da oposição possa abrir caminho para um governo que interrompa as reformas encabeçadas por Macri, que recentemente teve que pedir ajuda do FMI para manter o ajuste no país.

 

Para Rostagno, no entanto, o contágio via percepção de risco de uma eventual eleição de Fernández deve ser limitado no Brasil, dada a atual posição externa e o cenário interno. “O Brasil hoje vive uma situação de capacidade de absorção de choques externos, déficit em contas corrente baixo, dívida em dolar baixo, nivel de reservas elevado, inflação sob controle. Os riscos me parecem mais localizados, como no setor automotivo, que exporta muito para a Argentina.

 

Ricardo Kazan, sócio e gestor da Novus Capital, vai na mesma linha. Para o profissional, mesmo o risco às empresas brasileiras que fazem comércio com o vizinho sul-americano é limitado pelo fato de que as exportações já foram impactadas, uma vez que o país já vem de um cenário de crise econômica. “Os reflexos para os mercados brasileiros seriam pontuais, mais ligados à falta de apetite para a América Latina e mercados emergentes” de modo geral, diz Kazan.

 

Uma dúvida que fica no ar, dizem os analistas, é qual o significado dessa aparente mudança no stablishment político argentino para os acordos de comércio que o Mercosul negocia no momento. Secretário de comércio exterior do Ministério da Economia, Lucas Ferraz afirmou esta manhã que uma eventual derrota de Macri poderia levar o Brasil a buscar firmar acordos de maneira unilateral.

 

Ferraz nota que tal atitude redundaria no fim da Tarifa Externa Comum (TEC), atualmente entre 13% e 14%, mas negou que isto significaria o fim do Mercosul. “Não implicaria, é importante que se diga claramente, no fim do Mercosul. Isso não existe. É um argumento mal colocado”.

 

Fonte: Valor