Com navios parados, Irã ameaça cortar importações
O imbróglio envolvendo os navios iranianos que estão parados no porto de Paranaguá (PR) há mais de 50 dias devido à recusa da Petrobras em abastecer as embarcações escancarou os desafios para manter o fluxo de exportações para o Irã, um país importante para a balança comercial.
A confusão, que foi judicializada e está no Supremo Tribunal Federal (STF), levou o embaixador do Irã em Brasília, Seyed Ali Saghaeyan, a fazer duras declarações, ameaçando suspender as importações de produtos brasileiros se o problema dos navios não for solucionado.
No primeiro semestre, o país persa representou o quarto maior superávit comercial do Brasil, só atrás de China, Holanda e Panamá, de acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex). Entre janeiro e junho, o superávit com o Irã chegou a US$ 1,7 bilhão.
Em razão das sanções americanas ao país do Oriente Médio, os brasileiros só exportam produtos agropecuários ao Irã (basicamente, soja, milho, carne bovina e açúcar). No primeiro semestre, as exportações desses produtos renderam US$ 1,9 bilhão, conforme dados da Secex compilados pelo Ministério da Agricultura.
Tecnicamente, os alimentos estão fora das sanções aplicadas por Washington. O problema é que os iranianos enfrentam muitas dificuldades para ter acesso a moedas fortes, o que levou Teerã a incentivar operações de troca, afirmou ao Valor uma fonte do governo que acompanha os desdobramentos.
O caso dos dois navios parados em Paranaguá joga luz sobre o problema das trocas de mercadorias. Embora essa não seja a justificativa para a Petrobras se negar a abastecer as embarcações – os navios de bandeira iraniana, que vieram ao Brasil carregando ureia, estão na lista de sanções dos Estados Unidos -, o Irã não terá muitas opções que não o escambo para viabilizar a importação de alimentos.
Ocorre que uma das opções do Irã seria oferecer ureia (usada como fertilizante) como forma de pagamento aos brasileiros, mas o produto também está na lista de sanções dos Estados Unidos, observou uma fonte. Nesse cenário, Brasília e setor privado teriam de negociar uma espécie de permissão (“waiver”) dos Estados Unidos para aceitar esses produtos. “O espírito das sanções seria mantido, porque a motivação é humanitária. Para exportar alimentos”, argumentou.
Para o agronegócio brasileiro, a manutenção das exportações é relevante. No caso do milho, o Irã é o principal mercado, representando cerca de 30% dos embarques totais. No primeiro semestre, as exportações brasileiras de milho ao Irã renderam US$ 470 milhões.
O país persa também é estratégico para os frigoríficos, que direcionam cortes do dianteiro pouco demandados no mercado nacional. Neste ano, o Irã aparece como o terceiro maior importador de carne do Brasil, se consideradas as compras feitas por via indireta.
Como o Valor já informou, parte da carne bovina destinada à Turquia e Emirados Árabes Unidos é destinada, na verdade, ao Irã – a carga vai de caminhão para o país persa. Essa é uma das estratégias para contornar as sanções ao Irã, mas a escalada do conflito diplomático com os EUA vem dificultando até essa opção.
Em relação à Brasília, as relações com o Irã tiveram um ponto de atrito ontem, com as declarações do embaixador. No Ministério da Agricultura, no entanto, as falas de Saghaeyan foram minimizadas. Seria um desastre, mas não acreditamos em retaliação”, disse uma fonte da pasta. “É um pouco de chantagem. A solução é vir outro navio iraniano para abastecer”, disse a mesma fonte. Na avaliação do setor, o Irã tem poucas alternativas para substituir a carne e os grãos brasileiros.