Após conversas diplomáticas ao longo da semana e de uma reunião ontem entre o chanceler Ernesto Araújo com autoridades americanas na Casa Branca, com participação de Eduardo Bolsonaro, o governo brasileiro decidiu elevar a cota de importação de etanol isenta da tarifa de 20% de 600 milhões de litros para 750 milhões de litros por um ano. A medida, que deve significar R$ 270 milhões em renúncia fiscal, foi publicada no Diário Oficial da União (DOU).

 

A previsão era de expiração da cota hoje e de aplicação da tarifa cheia do Mercosul sobre todas as importações a partir de amanhã. Porém, o governo americano vinha pressionando as autoridades brasileiras pela isenção de tarifa sobre todas as importações, como ocorria até 2017, antes do estabelecimento da cota. O mercado americano vive uma sobreoferta de etanol diante de isenções concedidas por Donald Trump a várias refinarias de misturem o biocombustível na gasolina, conforme prevê o Padrão de Combustíveis Renováveis (RFS, na sigla em inglês). Os Estados Unidos são o principal fornecedor do etanol importado pelo Brasil.

 

O Ministério da Agricultura brasileiro vinha defendendo que qualquer flexibilização por parte do Brasil só ocorreria se os Estados Unidos aumentassem a cota de importação de açúcar brasileiro, hoje de 150 mil toneladas – preenchidas basicamente pelo produto da Região Nordeste.

 

Em nota, a União das Indústrias de Cana-de-Açúcar (Unica), que representa as usinas do Centro-Sul do Brasil, avaliou que a decisão de ampliar a cota para os americanos foi “uma grande vitória do governo brasileiro, liderada pela ministra Tereza Cristina, com o respaldo do presidente Jair Bolsonaro”. Ao mesmo tempo, a Unica avaliou que, “embora fosse importante para o Brasil realizar um gesto em favor da abertura comercial com os EUA, isso não poderia ser feito sem uma contrapartida para o açúcar brasileiro”.

 

Segundo a entidade, o governo estabeleceu que uma eventual extensão do benefício aos americanos daqui um ano só ocorreria se Washington confirmar a abertura de seu mercado ao açúcar brasileiro e se implementarem de fato a mistura de 15% do etanol na gasolina (E15) durante o ano inteiro, autorizada neste ano por Trump. Até o momento, porém, a adoção do E15 é baixa por diversos motivos, entre eles a falta de infraestrutura de abastecimento nos postos de todo o país.

 

Atualmente, a importação de etanol representa em torno de 5% da produção nacional do biocombustível e é realizada principalmente por empresas brasileiras, como a Copersucar – que possui uma trading de etanol nos Estados Unidos, a Eco-Energy – e a Raízen. As importações abastecem apenas o mercado do Nordeste, que ainda produz menos biocombustível do que consome.

 

A Associação de Produtores de Açúcar, Etanol e Bioenergia (Novabio), que representa as usinas do Nordeste, classificou a medida como “desnecessária”. “É inquestionável que o país não depende sequer de uma gota de etanol importado”, diz a associação, que criticou as distribuidoras que “mudaram de rumo e abraçam caminho de preterir o nosso álcool nativo não poluente, optando por aquele de milho”.

 

A entidade argumenta ainda que o etanol importado “tem ocupado, de forma recessiva e inconsequente, o espaço daquele que é empregador, acentuando disfunções e graves assimetrias no nosso país, inclusive por ser despejado nos portos do Nordeste, com logística mais favorecida para a origem dos portos norte-americanos”. A Novabio diz ainda que a produção de etanol no Brasil “só deslanchará tratando-se os desiguais de forma desigual”.

 

Fonte: Valor